quarta-feira, 2 de julho de 2014

A escritora no ar

Na janela pegando carona no sol da Lua, a gatinha, a herança benigna da minha mãe. Estou aqui olhando uma velhinha bem velhinha, magra, do outro lado da rua. Duas muletas. Anda com tal dificuldade,
E me identifico com ela.
Meu fardo , esses desenhos,herança dum infância não concluída. 
Sem maturidade , arfo pela rua da vida, carregada de bonecas, esses desenhos alegres. E não tenho no olho a certeza da Lua que a tudo olha, certeira. Zás! 
A velhice sou eu daqui um tempo.
Preciso largar as bonecas no passeio. Não se caminha com peso. 
A palavra é meu ofício. Ensino a escrever.
Podia ter sido cantora, bailarina. E desenhista. Tive um certo talento pra tudo isso. Mas agora isso acabou.  A realidade são as palavras. O resto é perigoso delírio.
Sei que palavras não seduzem, a não ser que alguém as leia.  Mas  ainda sou professora, e as utilizo em aula. Toda professora pode ser uma escritora no ar. Meus livros são as aulas.
---Antes que eu termine  a vida bem mal, peço pelo amor de Deus: não digam que gostam dos meus desenhos. São tolices, leviandades de mulher velha que ainda sonha com grandes painéis. Mas a ela só a janela, a gata e a contemplação duma velhinha quentando o sol lá fora.

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