sábado, 5 de julho de 2014

Quando a professora vê que seu aluno é muito conservador e também...


(De'' A professora particular'', dos originais dum livro que talvez fique pronto) 

O que ela faz se o aluno que ele ama diz que preferia ver os moradores de rua numa melhor? E melhor, aí, é mortos?
O que ela faz se treina alunos para passarem no vestibular de medicina? Deve parar de dar aula?
Diria que sim, fosse há algum tempo. Perdi alunos por causa dessas posturas. Eu pedia que saíssem do curso. Mudei.
Mas hoje fiquei estarrecida quando um rapaz confessou ser indiferente ao fato de que os doentes mentais morram abandonados nas ruas. Mas justo ontem numa conversa com dois queridos discutimos exato isso. E foi o que lhes disse.
Falei do pensamento balde. O que é? Feito classificar pessoas e colocá-las em baldes coloridos. Assim. Todos os coreanos são metidos. Ou, meninas loiras de classe alta são metidas. Fica fácil isso. O pensamento geralmente gosta da facilidade. Pensar de verdade cansa.
Tive um aluno inteligentíssimo para quem a solução para os sem-teto seria a neve: " Caísse neve no Brasil e morriam todos. Fosse na Europa , eu queria ver...".
Simples pensar assim. Até porque tenho a impressão de que o pensamento gosta de simetrias. Os desenhos dos azulejos com figuras apontando pra lá e outros quadrados pra cá descansam os olhos.
Quem diz que é esquisito ver uma menina baixinha namorando um cara enorme? Quem diz que não namoraria uma gorda? Quem diz isso gosta de simetria. Mas pensemos, disse eu. O olho precisa reaprender que a riqueza pode estar no que é assimétrico, seja nas formas, nos costumes, na maneira de pensar. 
Por tudo isso, resolvi que é melhor aceitar o aluno do jeito que ele é. Porque o conservador tem o direito de ser conservador. E tem o direito de falar o que pensa. Ficar chocado com ele e tocá-lo da vida não é bom. Trocamos ideias então?
Fui uma menina criada em família de pai conservador e mãe pseudo-libertária, quase barroca, torcendo-se e talvez sofrendo em suas contradições.
Eu quis rasgar de mim os conservadorismos e pulei de cabeça no risco de pensar por mim. Mas no começo discriminei os conservadores. Relacionei-me com pseudo-libertários e leve na pele as balas e facadas do que um libertário confuso pode fazer com alguém.
Daí, do alto dos meus mais de cinquenta anos, a quase velha de que tanto falo, vejo-me no direito de ser conservadora quanto quiser. E libertária por natureza. Ganhei - depois de tanto sofrer - um lugar bom na montanha dos pensadores. Sou livre, ou quase.
Deixo os conservadores jovens serem o que são e diálogo com eles. Porque há esse equívoco de jogar o que é confuso no balde das ideias fáceis.
Certa vez um aluno querido me afirmou que gostava do darwinismo social, assim, quem pode vive, quem não que baixe e vá morrer na sarjeta.
Argumentei a ele que não há chances para todos e que nada é em linhas reta e que a economia não pode ser biologia. E argumentei que nem tudo é ideologia. Sei que a ideologia vem por tabela na cola da economia. Foi confortável para os burgueses ascenderem socialmente as máximas dos iluministas. Liberdade sim, para os burgueses terem força pra lutar e tomarem  o pódio. 
Mas creio no humanismo como uma evolução da espécie. Somos mais solidários hoje porque entendemos que o outro merece tudo assim como eu. Nesse sentido o cristianismo é um humanismo. Não tenho medo de dizer que sou cristã. 
Porque na Antiguidade falar em amor era coisa de mulherezinhas - que eram consideradas nada nada naquele tempo. Cristo falou em amor ao próximo. Claro que as bases feudais gostaram das ideias cristãs, pois, com elas, subjugaram os servos, que aprenderam, inclusive, a submissão e cresceram na crença de que só o sofrimento salva. E assim não reivindicavam nada.
Podemos pensar que a solidariedade é um modo de a humanidade sobreviver. Vamos de mãos dadas,nós, espécie animal, sem dentuças ou garras, sem urros e maiores defesas.Vamos juntos para nos garantirmos no planeta. Podemos pensar nisso.
Mas, além disso, há o humanismo, consciência de que, se queremos evoluir mentalmente, se queremos nos tornar mais felizes, devemos buscar o bem de todos. Reparemos o quanto ficamos bem quando de nós brota o amor e não, a raiva. O quanto dói odiar as meninas ricas que nos desprezam.
Passei a vida mastigando vingança pelo que meus amigos do colégio fizeram comigo. E fui infeliz.
Já vi em alguns alunos a reprodução dos babacas que riam da minha cara só porque eu fosse mineira, só porque eu fosse baixinha, só porque eu fosse tímida.
Uma vez tive a manha de buscar no orkut todos os colegas do prezinho e fazer um encontro. E não ir ao encontro. Só para me vingar.
Eu era muito magoada. Mas vejo que aquilo me prendia.
Amar o conservador sim,claro. E tentar trocar ideias com ele. Foi o que disse ontem a um aluno ,  que é o máximo de inteligente e que vem cultivando ideias ultraconservadoras. Li com ele uma entrevista com a candidata francesa, a Marine Le Pen. E concordei que ela diz coisa com coisa. Ela pode estar certa quando vai contra a globalização e a entrada de mais imigrantes do que que a França comporta. Mas eu ponderei: o que importa é o que ela pensa em fazer com os imigrantes. E o como ela pode vê-los como bode expiatório para a crise europeia. A culpa não é dos imigrantes.
Só vamos nos libertar de ideias prontas, das ideias simplificadoras, se nos colocarmos a tarefa de ler.É pela leitura vária que entenderemos os porquês das lutas de classe,  das lutas entre etnias.
Tive um professor no cursinho que mudou a minha vida. Ele me treinou para ser marxista. Eu me apaixonei por ele e virei marxista. Não cheguei a namorar com ele, que era bem mais velho que eu e no meu tempo alunos não namoravam professores. Mas a paixão me desviou do caminho. Foi e não foi bom. Eu teria entrado no cursinho para ser psicóloga e fui parar nas ciências sociais.
O professor mudou meu caminho. Eu me tornei insuportável, pegando no pé de minha família e até de minha avó que tanto me amava e que não sabia que o discurso dela emparelhava-se com o mais conservador. Vovó achava que os negros eram inferiores. Peguei pesado com essa avó. Ela teve seus últimos dias de vida bem longe de mim,  na época, nas ciências sociais e cheia de palavra de ordem.
Vovó não mudaria mas era boa. Tirava roupa do corpo para cobrir o mendigo que dormisse na rua. Que culpa tinha ela de ter aquela ideia? E outros conservadorismos que eu também execrei. Em plena época da liberdade sexual eu me via como uma moça totalmente 'travada' tanto ouvira dela a ideia de castidade. Quem podia falar em  castidade nos anos setenta?
Hoje,apaziguada não penso que castidade seja coisa boa, mas também não penso que possa ser uma aberração. O que realmente importa é avaliar o que você viveu e como é que se safou das coisas, o que tirou delas. A vida há de ser um aprendizado inteiro, constante. 

Quando a professora vê que seu aluno particular com quem ela discute humanidades se mostra com pensamentos conservadores?
Ela não deve fazer nada. Não pode evitar de amá-lo; não pode evitar de amá-lo menos, ou não amá-lo.Mas precisa ver que ele é uma pessoa e que como ela foi,  ele é jovem. E o jovem se sente atraído a coordenar sua impressão do mundo. E quase sempre é atraído por radicalismos, seja lá que ideologia seguir.
Por isso lhe digo que ainda que tome posturas repense-as.  Isso é novo, somos novos o tempo todo, novos até para aceitarmos certos conservadorismos.
Não é preciso encher a cara para provar que é solto, descolado. Não precisa queimar fumo pra dizer isso ou aquilo.
E, se for queimar fumo, que não faça disso uma grandeza. Queimar fumo é só queimar fumo. E se pode abrir a cabeça pode também tirar a memória. É por isso que sou a favor da liberação das drogas. Só assim vamos discuti-las sem espanto,moralismos.
Tive amigos com problemas psiquiátricos que de tanto usarem drogas piraram pra sempre. Tive amigos que com drogas e muita contestação ficaram tão distantes dos pais que se mataram.
Não dou regras, não sei o que é a vida,como fazer da vida. Mas sei que é preciso aceitar quem seja conservador e conversar com ele.
Porque a sociedade já envelheceu, apodreceu quase, em lutas ideológicas que não levam a nada. A conversa,  os fóruns de discussão, e , sobretudo, a busca de uma paz interior que não se deixe assombrar pelo outro , o diferente, o que me ameaça,seja porque me humilha, justo porque é mais rico que eu; o diferente que afirma que judeus são do mal. Conversar. Conversar com eles. Há chance de demovê-los das ideias mais brutas. 

jack Johnson

http://www.youtube.com/watch?v=pNlmn7vbXBQ

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